faço o tempo correr mais rápido desde então. engulo todas as horas voraz, cada parte de segundo descendo pela minha garganta, áspera. deixo para sentir melhor e maior o tempo para quando eu puder me dar toda para o seu amor, que exige horas longas e pesadas, intensas e constantes de conhecimento das tuas miudezas; porque, por absurdo que seja, ainda não pude te deixar. por enquanto, sou só e aguardo chegar o inverno de meus dias, quando folhas secas possam enfim cair, deixando sair, tosco ainda, o novo. depois os ipês florindo, dourados reinando sobre nossas cabeças, convocando os amantes às ruas; tudo feliz, ao menos em tese.
tudo se divide em semanas, tão rápido me passa. segunda-feira é dia de me vestir de Gente, do que quase me convenço durante a semana. mas, para minha sorte e perdição, no primeiro segundo da sexta-feira já me vem o tinhoso, me jogando em qualquer alucinação barata e acabo eu tendo a certeza que a verdade do mundo está nas ruas, e beijo fundo essas bocas que encontro, na tentativa de provar que não preciso de você, que outros me amam mais e melhor e que já me esqueci como era teu beijo, que nada vale mais para minha vida o veneno fraco que colocasse em mim... frustrada. porque era esse teu jogo, que eu me embriagasse lento com este veneno agridoce e logo depois precisasse de mais, de doses maiores e mais concentradas.
e falo do que passou e do que você me deixou; vícios irrecuperáveis, vida e morte de toda e qualquer esperança inútil, um princípio de enfizema pulmonar, infarto do miocárdio e mais o quê? o grande vazio nos olhos agora de vidro, areado e fosco. é claro que me precipitei, que enxerguei pactos no escuro, me meti toda na tua vida sem licença porque tudo é meu, mas você não era minha, só você e por que exatamente não poderia, que a quis. e no amor, eu tomo posse. o verbo é ter, não vou mentir. mas nada existia e você me vendava os olhos como quem quer fazer doer menos, segurava minha mão conduzindo uma criança para a sala de vacina e me olhava triste, meu deus você me olhava já sabendo que ia doer e que nada poderia fazer. e que viriam outras dores, quer dizer, você sabia que nada poderia fazer pelo meu amor, que era extravagante demais para você se vestir dele, talvez ácido demais para teu paladar discreto, e que seria necessário me machucar, de vez em quando. você me achava forte.
tudo passou, já não te vejo mais e não sei de ti. mas ainda penso em deixar os cabelos crescerem para você e penso ainda em teus caprichos de menina, que talvez seja uma questão de tempo para eu enfim atendê-los mais uma vez. o que você vai fazer com tua vida? a minha ainda anda presa a você como a vidas passadas, teu semblante surgindo ameaçador e incoveniente por entre as memórias, no meio do dia, do trabalho e mais constante, do sono. só o peso do que já vivemos alguma vez, certo lugar, mas que ainda não passou, prendendo meus passos no chão como grandes placas de concreto. de certa forma, abandonamos a obra pela metade porque passamos a não gostar mais da idéia inicial, deixamos aquele pedaço em branco mesmo, esquece tudo isso, não é arte, não é amor.
faça o que quiser, me prove que eu estava errada, me puna e me deixe ir. se perca com os teus amores pueris, que como eu, também são insensatos e te consomem. assuma as tuas dores e faça as tuas escolhas e as tuas perdas. mas a mim, que carrego o místico, esqueça simplesmente. não é preciso se preocupar com nada. nossos sonhos à noite guiarão nossos passos durante o dia. e assim, no auge dos nossos vinte-e-poucos-anos, mas já carregadas de nostalgias, correremos sobre o mundo pisando e esmigalhando toda a antiga verdade dos tolos que simplesmente vagam bovinamente, pastando e digerindo merda. nós, em uma tarde vazia de janeiro levemente ensolarada, em que nada mais houver para correr, talvez nos encontremos sem combinarmos, e com as mãos já marcadas - o tempo - exterminaremos todo aquele branco deixado para trás e criaremos, juntas, alguma coisa que alguém muito simples possa olhar e chamar, enfim, de bela.