segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

as árvores e o tempo


me contrario sempre a mim mesma para provar que não me domino, que sou capaz de me transcender e chegar a outro lugar, me torno um ser humano plástico e não rígido, sempre não pronto para ser e não ser ao mesmo tempo; mesmo, é claro, não tendo a mínima idéia de como lidar com toda esta elasticidade e estando perdida, não compreende - não compreende nunca e nem nada - que não existe mesmo uma forma exata do que se é e que... não compreende, só flui com tudo e com todos que fluem em toda esta fluição de coisas e pensamentos. idéias, vender idéias tem sido um ótimo negócio para muitos, a venda de conceitos ! grande idéia. como dizia, é muito difícil se ter um pensamento e sê-lo, nada pára tanto tempo na cabeça para que possa ser entendido e ainda assim ganhar um contorno legível... - não conheço os limites e as fronteiras de nada - e ainda, tantos caminhos outros do que se está e tantas alternativas e escolhas possíveis. não se dá conta. é tão rápido este trânsito de informação e tão encorpada em sua fluidez que na maioria do tempo me sinto imóvel dentro de um tempo que dura sempre a agonia de cada segundo passado e perdido na imobilidade. até os móveis há tanto tempo na mesma posição, a estante que eu odeio tanto no mesmo lugar sempre, uma rocha acumulando livros e quinquilharias, fotos e bebida velha, tudo na casa se acumula nos cantos e em buracos aonde se perde de tudo, sempre um reencontro com coisas e pessoas perdidas. tudo ali parado criando vincos nas paredes e no chão, no fundo tudo tralhas inúteis que jamais voltariam a ter a mesma função ou estima que tiveram ontem, mesmo as pessoas não teriam mais o mesmo valor que tiveram... faziam de sobreviventes e se comportavam como tal, sem dignidade, sem memória e rudes, o importante era o que acontecia da porta para fora da casa e todos sabiam disso, viviam para o lado de fora mas estavam presos pelas paredes da casa em suas cabeças, paredes grossas como as de uma igreja medieval - cheia de segredos e culpas morais; não me reconheço, não compartilho esta culpa. as manhãs eram melhores, claro, com a introdução de um pouco de dignidade vinda de uma mangueira, que era ainda apenas uma mudinha frágil miudinha e que mesmo assim, já trazia algum conforto e amor; imagine quando, na sua plenitude estrutural de árvore forte, for capaz de fazer sombra e amenizar tudo ao seu redor... dou amor e me preocupo, cuido dela e respeito a sua vida tão plena. tento aprender enquanto admiro o tempo das árvores, que não é este nosso frenético, alienante. me recuso a acompanhar este ritmo e desconfio de que não tenho mesmo esta capacidade, escuto o cazuza dizendo "o tempo não pára, não pára não..." como uma ameaça, um alerta. escuto e ignoro, escuto e ignoro. ensaio uma fuga e me retrato, tenho medo. a casa sendo aterrada pela poeira da ampulheta caindo em cima dos móveis, imobilizando e atrofiando os membros, carcomidos por bichos desprezíveis. encontro motivos para me acolher na minha mediocridade, fico pequena e sinto medo de não sair mais, embora saiba que o desejo me levará muito além daquelas paredes. lembro das árvores. há de haver o tempo de crescer, a espera é um preparo, paciência é virtude das caras e inquietude e aflição são coisas de coração perturbado e é preciso calma. plenitude. o fruto nas mãos, enfim.
na mesma frequência da agonia de não ter chão, me regozijo - só quando não olham - pelo fato de estar perdida em tantas possibilidades e então, sinto felicidade e gosto de viver assim. é claro que quase ninguém tem suporte técnico para isso, de fato, não têm. nem eu. até porque uma sistematização seria impossível, é tudo inédito e sem previsão. não existem respostas prontas quando se admite tudo. espera... por um lado também desejo algum chão, não paredes, paredes não... mas quem sabe algum chão seja interessante, algum chão úmido, fértil, ventre novo da mulher desconhecida.
assisto ao fim de todos os sonhos bons, fico descrente embora tenha fé na vida. e se não possuo sonhos, posso ver também um lado da vida que chega a ser quem sabe obscuro, mas não quero que pareça necessariamente ruim, um lado que pinga numa constância ritmica até melancólica, chuva de dia inteiro que não cessa e que fica bonita ao fim da tarde. é como aquela idéia de um rio de janeiro que é beleza e tristeza, poesia física a ser vista, apreciada e claro, também depreciada. não posso falar também deste rio, este estado que precisa ser rompido abruptamente rompido, e deixado.