sábado, 27 de agosto de 2011

beijo grátis

meio da noite já rodada vários litros além do que eu achava, me vem a figura, completamente solta me faz as vontades, penso: que criatura ! tenho que falar... diminui, a velocidade, diminui... meus amigos dentro do carro, sutis, como que discretos. oi. eu disse oi. ela estava fazendo de distraída, mas ouviu quando eu disse oi, fez de atenta e olhou onde eu estava, dependurada em janela de carro, chamei mesmo assim. oi, eu disse. ela fez que olhou, estranhou mas prestou atenção. até que a sua boca mexeu, junto com o olhar dizendo "ooÍ!", desdenhando, tadinha. eu emendei: tentei começar o discurso de convalecência. vi as companheiras de ponto dela, olhando, achando "o que é isso ?, o que essa loca tá dizendo?" ela tá dizendo, eu tô dizendo que, olha: eu não sou ninguém, não tenho dinheiro nem nada, sou estou aqui te olhando, e pensando o quanto custaria um beijo, apenas um e mais nada, nem amasso, pega-pega coisa nenhuma, só um beijo quanto custaria? não deixei ela responder, emendei de novo: diz que pra mim é de graça, diz ? dá pra mim só um beijo ? ela ainda parou pra pensar, eu não acreditei, é de praxe não beijar mesmo pagando as moças, beijar só por sentimento verídico, mas já tinha dito, pendurada em janela, a criatura me vem com uma cara andando minha direção minha só chega me põe a língua aonde, achou que era justo me dar um. eu lá, pendurada. ela me deu um beijo grátis. claro, muito melhor que os pagos, contaminados pela dinâmica automática da grana, do migué, do contexto - coisa de menina de família. as colegas dela soltaram gritinhos, e eu me senti demais. que mulherão era aquela, os peitinhos de hormônios mas ainda um tiquinho de silico, são peitinhos de moça, as coxas rijas acompanhando a bunda, belo conjunto, músculos advindos da macheza. ela me beijou no meio de copacabana, bem na esquina, atrapalhando o trânsito, trágico arrancando olhares, a platéia lançava flores. eu fui embora dizendo: linda, linda e linda... e continuei a embriaguez, acordei onde nem sei, achei minha casa depois e dormi. toda noite assim. é normal.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

não pode ser tocado

um dia, acordo, dia da semana, cedo. me levanto, arrumo, me aprumo, tomo banho e parto. a porta da rua abre um novo mundo. faz frio, o frio invade caminhos em sua pele, penetra pela fibra, fica e quase fere. se tem chuva é outro causo, que não conto só desconto no final. acordo de sonhos, sonho dos dela lá pelas 5h da matina, me amanhecendo, indo embora com o dia e quase não lembro. e lembro apenas que foi ela. ininteligível, incompatível, energia reversa do meu mundo. passo no dia sentindo gostinho do sonho, mas não me lanço. paro, dô de ombros, faço pouco. te olho, desconfio e sei: te sei inteira, te conheço, te divido, te reverto e depois te amo. muito calma e muito humilde, te juro, apenas me ponho a disposição do futuro e digo, me leve. leve. porque o que há entre dentro de nós é tão leve que mal pode ser tocado. pluma sem peso voando se chego perto. instrumento sem uso, coração inerte, sangue sem pulso. tudo isto, tão leve, tão forte, tão destrutível e tão enaltecedor. não pode ser tocado, nunca foi, andamos sempre pelas beiras deste abismo de luz inebriante, que não ousamos olhar, tememos o que disto pode nascer, não provocamos a sua ira e não despertamos sua paixão. e ficou comigo este amor que chamo de amor por conveniência, por que não penso no que seja, sei deveras que esta pergunta é uma resposta... que talvez não há por que sofrer, chorar apenas o necessário, você sabe.. ser triste custa caro. e não costumo gastar a toa. prefiro um tempo de boa. não ligo, percorro, cruzo qualquer caminho. não quero traçar destino, e pra quê? sei viver perto do limite, do limiar, e de não ter chão. não penso no que faço, porque digo, se falo e faço certo. não posso. não me saboto. se peço seu amor, não me iludo, aceito de bom grado o que tens para mim. acredito em amor, não importa o que de mim aconteça, celebro sempre que posso este laço, desacredito e depois confio mais, me deixo, sorrio, acho graça, um rio.. sigo. aceito. aproveito. amo. um nome de estrela, aponta no meu destino um fardo um desatino, um desvario. que desejo e conheço não mais retorno, não importa. vejo tua imagem e sinto alterações fluídicas. sei que existe algo e se o mantenho vivo dentro de mim, se o alimento de minhas entranhas, de minhas lembranças, de meus pensamentos, que é para o bem e aprendizado do ser. permito que seja da maneira que se é, a minha vida. pois sou. somos. vou, vamos. sei o quê, tanto faz; o melhor sentimento de uma pessoa para outra pessoa é a paz.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

as árvores e o tempo


me contrario sempre a mim mesma para provar que não me domino, que sou capaz de me transcender e chegar a outro lugar, me torno um ser humano plástico e não rígido, sempre não pronto para ser e não ser ao mesmo tempo; mesmo, é claro, não tendo a mínima idéia de como lidar com toda esta elasticidade e estando perdida, não compreende - não compreende nunca e nem nada - que não existe mesmo uma forma exata do que se é e que... não compreende, só flui com tudo e com todos que fluem em toda esta fluição de coisas e pensamentos. idéias, vender idéias tem sido um ótimo negócio para muitos, a venda de conceitos ! grande idéia. como dizia, é muito difícil se ter um pensamento e sê-lo, nada pára tanto tempo na cabeça para que possa ser entendido e ainda assim ganhar um contorno legível... - não conheço os limites e as fronteiras de nada - e ainda, tantos caminhos outros do que se está e tantas alternativas e escolhas possíveis. não se dá conta. é tão rápido este trânsito de informação e tão encorpada em sua fluidez que na maioria do tempo me sinto imóvel dentro de um tempo que dura sempre a agonia de cada segundo passado e perdido na imobilidade. até os móveis há tanto tempo na mesma posição, a estante que eu odeio tanto no mesmo lugar sempre, uma rocha acumulando livros e quinquilharias, fotos e bebida velha, tudo na casa se acumula nos cantos e em buracos aonde se perde de tudo, sempre um reencontro com coisas e pessoas perdidas. tudo ali parado criando vincos nas paredes e no chão, no fundo tudo tralhas inúteis que jamais voltariam a ter a mesma função ou estima que tiveram ontem, mesmo as pessoas não teriam mais o mesmo valor que tiveram... faziam de sobreviventes e se comportavam como tal, sem dignidade, sem memória e rudes, o importante era o que acontecia da porta para fora da casa e todos sabiam disso, viviam para o lado de fora mas estavam presos pelas paredes da casa em suas cabeças, paredes grossas como as de uma igreja medieval - cheia de segredos e culpas morais; não me reconheço, não compartilho esta culpa. as manhãs eram melhores, claro, com a introdução de um pouco de dignidade vinda de uma mangueira, que era ainda apenas uma mudinha frágil miudinha e que mesmo assim, já trazia algum conforto e amor; imagine quando, na sua plenitude estrutural de árvore forte, for capaz de fazer sombra e amenizar tudo ao seu redor... dou amor e me preocupo, cuido dela e respeito a sua vida tão plena. tento aprender enquanto admiro o tempo das árvores, que não é este nosso frenético, alienante. me recuso a acompanhar este ritmo e desconfio de que não tenho mesmo esta capacidade, escuto o cazuza dizendo "o tempo não pára, não pára não..." como uma ameaça, um alerta. escuto e ignoro, escuto e ignoro. ensaio uma fuga e me retrato, tenho medo. a casa sendo aterrada pela poeira da ampulheta caindo em cima dos móveis, imobilizando e atrofiando os membros, carcomidos por bichos desprezíveis. encontro motivos para me acolher na minha mediocridade, fico pequena e sinto medo de não sair mais, embora saiba que o desejo me levará muito além daquelas paredes. lembro das árvores. há de haver o tempo de crescer, a espera é um preparo, paciência é virtude das caras e inquietude e aflição são coisas de coração perturbado e é preciso calma. plenitude. o fruto nas mãos, enfim.
na mesma frequência da agonia de não ter chão, me regozijo - só quando não olham - pelo fato de estar perdida em tantas possibilidades e então, sinto felicidade e gosto de viver assim. é claro que quase ninguém tem suporte técnico para isso, de fato, não têm. nem eu. até porque uma sistematização seria impossível, é tudo inédito e sem previsão. não existem respostas prontas quando se admite tudo. espera... por um lado também desejo algum chão, não paredes, paredes não... mas quem sabe algum chão seja interessante, algum chão úmido, fértil, ventre novo da mulher desconhecida.
assisto ao fim de todos os sonhos bons, fico descrente embora tenha fé na vida. e se não possuo sonhos, posso ver também um lado da vida que chega a ser quem sabe obscuro, mas não quero que pareça necessariamente ruim, um lado que pinga numa constância ritmica até melancólica, chuva de dia inteiro que não cessa e que fica bonita ao fim da tarde. é como aquela idéia de um rio de janeiro que é beleza e tristeza, poesia física a ser vista, apreciada e claro, também depreciada. não posso falar também deste rio, este estado que precisa ser rompido abruptamente rompido, e deixado.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Do disco Elis - Como e Porque.

1o. Quando parti pro meu disco, estava convencida de que um disco tem que ser funcional.
2o. A "filosofia" deste disco é outra. Outra é a pessoa que o gerou. Há razões profundas para que assim seja.
3o. O medo que eu tinha se me afigurou ridículo vendo aquele homenzinho solto no espaço. Sem cordão umbilical.
4o. As coisas que eu vi e vivi, nos lugares todos, se refletem na música que faço hoje e que, dependendo do que eu ver e viver, farei ou não amanhã.
5o. O Wilson chegou com uma batida estranha e um disco de Gerald Wilson debaixo do braço. Entramos na era do "rhythm'n'blues", que é a colaboração do blues para a vida do yé-yé. Eu e Antônio Adolfo "vibramos".
6o. Mudamos para o "Canto de Ossanha". Foi a colaboração do Baden ao "rhythm'n'blues".
7o. A gente sentiu que estava bom quando o Menescal aprendeu a dançar.
8o. O Jura saiu em campo, buscando um baixo-elétrico. As pessoas todas precisavam ouvir seus duetos alucinantes com a guitarra. Também elétrica.
9o. O Hermes está meio na "fossa". Os cubanos não inventaram a tumba eletrônica...
10o. Os arranjos são do Erlon.
11o. A foto é do Paulo Garcez. Meu alucinante amigo. De alucinantes bigodes e "pince-nez"... Do avô.
12o. O Armando mexeu nos botões todos do estúdio. E deixou o Deraldo doidinho.
13o. Recebi um grande crédito de meus músicos, meus produtores, meu marido. E de André.
14o. Será que o mereço dos demais? Dos que, à distância, vão escutar nosso trabalho?
15o. Que minha música seja escutada com o mesmo carinho com que é feita. E que não perca o fôlego nesse longo mergulho que é chegar até vocês.
Amém.
Elis Regina.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Os acrobatas

Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse fisica dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.

Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.

Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!

Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!

Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta.

Como no espasmo.

E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus

Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.

E morreremos
Morreremos alto, imensamente
Imensamente alto.


Vinícius de Moraes.