domingo, 20 de dezembro de 2009

sobre o tempo no rio IV

lembro com clareza de quando soube que poderia existir duas ruas com o mesmo nome, lembro daquela descoberta quase infantil ali no meio dos grandes, soei ridícula: "mas como assim que uma rua onde mora uma pessoa pode ser confundida com outra?". foi mais ou menos assim que cheguei aqui, quase parecendo inocente - na realidade, burra - com medo mas sem esperanças que desse alguma coisa certo, queria só ver no que dava e fui indo, indo... cada vez mais, porque o medo a gente vai curando e continuando viva, não tinha porque parar. coisa de criança. talvez eu escreva para uma, talvez para duas, qual é meu desejo, minhas pedrinhas. tanto tempo esperei para isso... é que me faltava um pouco desse ar fecundo de desejos que só rola lá pelas esquinas místicas do centro do rio, que sempre fica bonito pela noite, tantas noites que perambulei com o vento nos pés, o céu na cabeça. mas enfim, dezembro não passa em branco - nem só nas cores feias da decoração de natal.
eu até tentei guardar tudo, mas como não tenho lá tanto talento para guardar coisas assim como uma cômoda, perdi algumas coisas. perdi várias delas pela rua da memória. no final dá no mesmo, porque viver nas horas é fácil, difícil é contar os segundos. e foi prestando muita atenção nos segundos que eu vi aquele instante em que o destino muda, suspiro abafado no escuro. não querendo desmerecer o poder das cartomantes e afins, elas estão certas, estão certíssimas mas apenas naquele momento. quando viramos a esquina da pobre médium já se muda tudo o que se disse. destino existe, regina, mas é a gente quem decide se vai ou se fica. não segui teus conselhos, regina, quão inapropriados eram para mim! ah, você sempre soube deste detalhe mas não quis me dizer. você não teve medo de facas, nem de mais nada; você sabia que às vésperas do crime o homem se redimiria, quem sabe até em choro, grande ato! ciúme é de praxe, afinal. não houve sangue e você sorriu, segura de si. pra você o nome é amor, eu chamo de sorte, mistura de destino e livre arbítrio. as pessoas dão o nome amor às coisas mais absurdas, aleatórias e indiscriminadas; entretanto não se pode culpá-las, não se fala de amor sem antes ter morrido dele, silêncio.
de uma coisa sei: não envelhecerei; não posso. não poderei passar no tempo sem minhas pedrinhas, uma que fosse, eu passaria. mas não: tô parada procurando os vinte e poucos anos que você me fez gastar por aí. como envelhecerei sem você? quem irá balançar a cabeça, afirmativa, quando eu contar as histórias fantásticas que só nós sabemos? não posso. terei um rosto plástico, assim como quem não viveu, como quem não chorou, como quem não amou. o que cá entre nós é uma puta injustiça.
vejo teu retrato antigo que me faz pensar em tempos melhores, findos, quando ainda não existia a amargura, essa coleção de coisas que vão sobrando do que por vezes cismamos chamar amor, e a gente vai juntando - porque história não se joga fora - e ficando pesada, cada vez mais pesada. mas é assim que é: não dá pra jogar nada fora. mas gosto de olhar teu retrato, te ver menina e te saber simples, ainda não capaz destas ironias finas que praticas sem sucesso por aí ultimamente. não use de ironia e deboche comigo, querida. prefiro que se dirija a mim na tua própria língua, que eu não entendo, mas pelo menos não soas vulgar. eu olho teu retrato, mas não por muito tempo: baixo os olhos com medo do teu semblante ameaçador e sinto a ponta lá daquela amargura, rápido procuro outra coisa para fazer, ligo a tv, quem sabe.
o ano meio que se foi todo assim, ano de transgressões imensas, sentimentos altos, profundos - tanto ao céu quanto ao inferno - que eu cuidei de procurar, assumo, ano de sóis insuportáveis e tempestades avassaladoras - uma hora ela cai -, ano ventado na cara, ano veloz. mas tanto, que agora só posso ficar quieta vivendo as horas, ignorando todo o resto do mundo, arrogante que sou. vou voltar ao início de tudo, cara. você vai ver e vai saber reconhecer quando me ver. aquele reencontro vejo em grande estilo, gosto de cenas dramáticas. o importante, entretanto, será esquecido: apareceremos juntas num dia de julho, um sol pretensioso que só no céu, tomando grandes cappuccinos ou qualquer outra coisa que termine com ccino e nos dê um ar vulgar de café francês aqui no brasil, rindo alto, estalando os saltos ou arrastando chinelos, diante do quê o senhor que acabou de nos vender o velho cigarro ficará pensando, perplexo: "mas como?".

sábado, 12 de dezembro de 2009

retratos abstratos do dia

eu ainda te vejo acender o cigarro meio triste na rua principal da cidade indo pra não sei onde que te disseram ainda pouco no telefone (agora desligado) que marcaram pra tomar uma cerveja, comer batata frita e contar dos últimos informes da terrinha. te vejo ainda parada no ponto de ônibus com seus óculos escuros fumando aquele cigarro e pensando no corte do cabelo e em misérias globais. andas com todos para todos os lados, só vai aonde te levam mas voltas para casa todos os dias sozinha. e acha daquilo a pior e a melhor coisa da tua vida. não importa. seguiremos para quando? fugiremos atrás do quem sabe, do talvez. e talvez esteja você agora em seu quarto dormindo, sonhando coisas estranhas ou quem sabe muito quieta tentando esquecer o último. ainda que mil vezes tivesse que te ver ir embora, assim seria. mas não foi, só ficaram comigo os milhares de adeus que eu te teria dado. ah, sim. ainda frequento os mesmos cais, as mesmas praças à beira mar, os mesmos cantos. mas vejo coisas que também você vê, não me enxergue muito mal, seja nítida e precisa comigo. até que você decida pegar outro ônibus, até que alguém passe na rua e te reconheça, até que o tempo acabe, o meu tempo, eu ficarei aqui parada nesta plataforma sem poder sair ou partir para outro lugar. estarei imóvel, nossas linhas se cruzando, se emaranhando e me soltando, aos poucos, devagar.


tudo o que vai, volta na próxima estação

eu vou ficar parada em cima da plataforma
daquela estação
vendo partir o todo para o fim, e eu ali

passando, passando, passando