eu até tentei guardar tudo, mas como não tenho lá tanto talento para guardar coisas assim como uma cômoda, perdi algumas coisas. perdi várias delas pela rua da memória. no final dá no mesmo, porque viver nas horas é fácil, difícil é contar os segundos. e foi prestando muita atenção nos segundos que eu vi aquele instante em que o destino muda, suspiro abafado no escuro. não querendo desmerecer o poder das cartomantes e afins, elas estão certas, estão certíssimas mas apenas naquele momento. quando viramos a esquina da pobre médium já se muda tudo o que se disse. destino existe, regina, mas é a gente quem decide se vai ou se fica. não segui teus conselhos, regina, quão inapropriados eram para mim! ah, você sempre soube deste detalhe mas não quis me dizer. você não teve medo de facas, nem de mais nada; você sabia que às vésperas do crime o homem se redimiria, quem sabe até em choro, grande ato! ciúme é de praxe, afinal. não houve sangue e você sorriu, segura de si. pra você o nome é amor, eu chamo de sorte, mistura de destino e livre arbítrio. as pessoas dão o nome amor às coisas mais absurdas, aleatórias e indiscriminadas; entretanto não se pode culpá-las, não se fala de amor sem antes ter morrido dele, silêncio.
de uma coisa sei: não envelhecerei; não posso. não poderei passar no tempo sem minhas pedrinhas, uma que fosse, eu passaria. mas não: tô parada procurando os vinte e poucos anos que você me fez gastar por aí. como envelhecerei sem você? quem irá balançar a cabeça, afirmativa, quando eu contar as histórias fantásticas que só nós sabemos? não posso. terei um rosto plástico, assim como quem não viveu, como quem não chorou, como quem não amou. o que cá entre nós é uma puta injustiça.
vejo teu retrato antigo que me faz pensar em tempos melhores, findos, quando ainda não existia a amargura, essa coleção de coisas que vão sobrando do que por vezes cismamos chamar amor, e a gente vai juntando - porque história não se joga fora - e ficando pesada, cada vez mais pesada. mas é assim que é: não dá pra jogar nada fora. mas gosto de olhar teu retrato, te ver menina e te saber simples, ainda não capaz destas ironias finas que praticas sem sucesso por aí ultimamente. não use de ironia e deboche comigo, querida. prefiro que se dirija a mim na tua própria língua, que eu não entendo, mas pelo menos não soas vulgar. eu olho teu retrato, mas não por muito tempo: baixo os olhos com medo do teu semblante ameaçador e sinto a ponta lá daquela amargura, rápido procuro outra coisa para fazer, ligo a tv, quem sabe.
o ano meio que se foi todo assim, ano de transgressões imensas, sentimentos altos, profundos - tanto ao céu quanto ao inferno - que eu cuidei de procurar, assumo, ano de sóis insuportáveis e tempestades avassaladoras - uma hora ela cai -, ano ventado na cara, ano veloz. mas tanto, que agora só posso ficar quieta vivendo as horas, ignorando todo o resto do mundo, arrogante que sou. vou voltar ao início de tudo, cara. você vai ver e vai saber reconhecer quando me ver. aquele reencontro vejo em grande estilo, gosto de cenas dramáticas. o importante, entretanto, será esquecido: apareceremos juntas num dia de julho, um sol pretensioso que só no céu, tomando grandes cappuccinos ou qualquer outra coisa que termine com ccino e nos dê um ar vulgar de café francês aqui no brasil, rindo alto, estalando os saltos ou arrastando chinelos, diante do quê o senhor que acabou de nos vender o velho cigarro ficará pensando, perplexo: "mas como?".
de uma coisa sei: não envelhecerei; não posso. não poderei passar no tempo sem minhas pedrinhas, uma que fosse, eu passaria. mas não: tô parada procurando os vinte e poucos anos que você me fez gastar por aí. como envelhecerei sem você? quem irá balançar a cabeça, afirmativa, quando eu contar as histórias fantásticas que só nós sabemos? não posso. terei um rosto plástico, assim como quem não viveu, como quem não chorou, como quem não amou. o que cá entre nós é uma puta injustiça.
vejo teu retrato antigo que me faz pensar em tempos melhores, findos, quando ainda não existia a amargura, essa coleção de coisas que vão sobrando do que por vezes cismamos chamar amor, e a gente vai juntando - porque história não se joga fora - e ficando pesada, cada vez mais pesada. mas é assim que é: não dá pra jogar nada fora. mas gosto de olhar teu retrato, te ver menina e te saber simples, ainda não capaz destas ironias finas que praticas sem sucesso por aí ultimamente. não use de ironia e deboche comigo, querida. prefiro que se dirija a mim na tua própria língua, que eu não entendo, mas pelo menos não soas vulgar. eu olho teu retrato, mas não por muito tempo: baixo os olhos com medo do teu semblante ameaçador e sinto a ponta lá daquela amargura, rápido procuro outra coisa para fazer, ligo a tv, quem sabe.
o ano meio que se foi todo assim, ano de transgressões imensas, sentimentos altos, profundos - tanto ao céu quanto ao inferno - que eu cuidei de procurar, assumo, ano de sóis insuportáveis e tempestades avassaladoras - uma hora ela cai -, ano ventado na cara, ano veloz. mas tanto, que agora só posso ficar quieta vivendo as horas, ignorando todo o resto do mundo, arrogante que sou. vou voltar ao início de tudo, cara. você vai ver e vai saber reconhecer quando me ver. aquele reencontro vejo em grande estilo, gosto de cenas dramáticas. o importante, entretanto, será esquecido: apareceremos juntas num dia de julho, um sol pretensioso que só no céu, tomando grandes cappuccinos ou qualquer outra coisa que termine com ccino e nos dê um ar vulgar de café francês aqui no brasil, rindo alto, estalando os saltos ou arrastando chinelos, diante do quê o senhor que acabou de nos vender o velho cigarro ficará pensando, perplexo: "mas como?".