É tudo mentira, amor. Meus dias não estão indo como o
tempo manda, não. E não escuto as novidades da música como digo; não escuto
nada, agora o som não nasce fora, mas sim no íntimo. Nem Elis, nem Gil, nem
Ângela, nem Tom e nem ninguém. Nego e renego a poesia dos sons, não quero!
Quero somente a nossa música de palavras caladas, ainda em parte latente,
produzida por esta força que não sabemos ter. Quero somente a nossa dança de
olhares brotada da intimidade, nos fazendo quietas e incautas – sofisticada forma
de amar na clandestinidade do olhar. Mas agora o momento me joga contra o chão e
aplica sobre mim a gravidade dos dias em que você não está. Dos dias em que,
não sendo sábado, não consigo flutuar.
É tudo mentira, amor. Ontem não teve lua, hoje não vi
flor. Caiu foi chuva. O que, em parte, me acalmou. Chuva que sai de dentro de
mim, em tentativa desesperada de fazer chorar a alma. Deixando limpar as
trincadas vidraças dos meus olhos repletos de fumaça. Deixando ficar apenas a
leveza de ser. Para tentar estar simplesmente neste caos que é ter você e não
ter você preciso me deixar, devo me esquecer. Me enveredar pelas rotas das tuas
belezas desaforadas, subir minha jangada e desaparecer em alto mar. Achar onde
fica o alto do teu mar... Não levo mapa e não me deixo alcançar. Não uso
cartografia em meu navegar. Levo comigo somente uma rosa que venta minha vela e
olho as estrelas, buscando me guiar. Mas tola, esqueço que com você não levo,
não navego, só me deixo navegar.
É tudo mentira, amor. Não vim para casa, os dias não
passaram, o mundo não girou, o grande relógio da Central parou. Ainda estou
parada na plataforma daquela rodoviária. Escuto apenas o barulho surdo dos
carros a passar e me lembro que todos os caminhos me levam para a distância,
parecendo eterno o caminhar. Mas não devo e nem quero chorar. A espera me
revela a beleza incrustada na hora parada. Ouso narrar a pretensa poesia que
encontro, pois é só nela que conheço acolhimento e consolo. E se não alcanço,
exato, o termo sublime ou o verbo bem conjugado, não me preocupo, não me abalo.
Sei que foi neste espaço suspenso de tempo onde nosso amor foi cultivado.
Leva de mim o meu tempo, me paralisa os movimentos,
lavo com chuva minha retina
Posso me passar por dona do mundo e fingir que ando
pelos dias, sonsa e distraída
Mas quando me encontrar vê se não acredita, amor. É
tudo mentira. Tudo mentira.
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