quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Tudo mentira

É tudo mentira, amor. Meus dias não estão indo como o tempo manda, não. E não escuto as novidades da música como digo; não escuto nada, agora o som não nasce fora, mas sim no íntimo. Nem Elis, nem Gil, nem Ângela, nem Tom e nem ninguém. Nego e renego a poesia dos sons, não quero! Quero somente a nossa música de palavras caladas, ainda em parte latente, produzida por esta força que não sabemos ter. Quero somente a nossa dança de olhares brotada da intimidade, nos fazendo quietas e incautas – sofisticada forma de amar na clandestinidade do olhar. Mas agora o momento me joga contra o chão e aplica sobre mim a gravidade dos dias em que você não está. Dos dias em que, não sendo sábado, não consigo flutuar.
É tudo mentira, amor. Ontem não teve lua, hoje não vi flor. Caiu foi chuva. O que, em parte, me acalmou. Chuva que sai de dentro de mim, em tentativa desesperada de fazer chorar a alma. Deixando limpar as trincadas vidraças dos meus olhos repletos de fumaça. Deixando ficar apenas a leveza de ser. Para tentar estar simplesmente neste caos que é ter você e não ter você preciso me deixar, devo me esquecer. Me enveredar pelas rotas das tuas belezas desaforadas, subir minha jangada e desaparecer em alto mar. Achar onde fica o alto do teu mar... Não levo mapa e não me deixo alcançar. Não uso cartografia em meu navegar. Levo comigo somente uma rosa que venta minha vela e olho as estrelas, buscando me guiar. Mas tola, esqueço que com você não levo, não navego, só me deixo navegar.
É tudo mentira, amor. Não vim para casa, os dias não passaram, o mundo não girou, o grande relógio da Central parou. Ainda estou parada na plataforma daquela rodoviária. Escuto apenas o barulho surdo dos carros a passar e me lembro que todos os caminhos me levam para a distância, parecendo eterno o caminhar. Mas não devo e nem quero chorar. A espera me revela a beleza incrustada na hora parada. Ouso narrar a pretensa poesia que encontro, pois é só nela que conheço acolhimento e consolo. E se não alcanço, exato, o termo sublime ou o verbo bem conjugado, não me preocupo, não me abalo. Sei que foi neste espaço suspenso de tempo onde nosso amor foi cultivado.
Leva de mim o meu tempo, me paralisa os movimentos, lavo com chuva minha retina
Posso me passar por dona do mundo e fingir que ando pelos dias, sonsa e distraída
Mas quando me encontrar vê se não acredita, amor. É tudo mentira. Tudo mentira.


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