segunda-feira, 26 de outubro de 2009

moraes, vinícius. o incriado.

Distantes estão os caminhos que vão para o tempo - outro luar eu vi passar na altura
Nas plagas verdes as mesmas lamentações escuto como vindas da eterna espera
O vento ríspido agita sombras de araucárias em corpos nus unidos se amando
E no meu ser todas as agitações se anulam como vozes dos campos moribundos.

Oh, de que serve ao amante o amor que não germinará na terra infecunda
De que serve ao poeta desabrochar sobre o pântano e cantar prisioneiro?
Não há a fazer pois que estão brotando crianças trágicas como cactos
Da semente má que a carne enlouquecida deixou nas matas silenciosas.

Nem plácidas visões restam aos olhos - só o passado surge se a dor surge
E o passado é como o último morto que é preciso esquecer para Ter vida
Todas as meias-noites soam e o leito está deserto do corpo estendido
Nas ruas noturnas a alma passeia, desolada e só, em busca de Deus.

Eu sou como o velho barco que guarda no seu bojo o eterno ruído do mar batendo
No entanto, como está longe o mar e como é dura a terra sob mim...
Felizes são os pássaros que chegam mais cedo que eu à suprema franqueza
E que, voando, caem, pequenos e abençoados, nos parques onde a primavera é eterna.

Na memória cruel vinte anos seguem a vinte anos na única paisagem humana
Longe do homem os desertos continuam impassíveis diante da morte
Os trigais caminham para o lavrador e o suor para a terra
E dos velhos frutos caídos surgem árvores estranhamente calmas.

Ai, muito andei e em vão... rios enganosos conduziram meu corpo a todas as idades
Na terra primeira ninguém conhecia o Senhor das bem-aventuranças...
Quando meu corpo precisou repousar, eu repousei, quando minha boca ficou sedenta, eu bebi
Quando meu ser pediu a carne, eu dei-lhe a carne mas eu me senti mendigo.

Longe está o espaço onde existem os grandes vôos e onde a música vibra solta
A cidade deserta é o espaço onde o poeta sonha os grandes vôos solitários
Mas quando o desespero vem e o poeta se sente morto para a noite
As entranhas das mulheres afogam o poeta e o entregam dormindo à madrugada.

Terrível é a dor que lança o poeta prisioneiro à suprema miséria
Terrível é o sono atormentado do homem que suou sacrilegamente a carne
Mas boa é a companhia errante que traz o esquecimento de um minuto
Boa é a esquecida que dá o lábio morto ao beijo desesperado.

Onde os cantos longínquos do oceano?...
Ssobre a espessura verde eu me debruço e busco o infinito
Ao léu das ondas há cabeleiras abertas como flores -
São jovens que o terno amor surpreendeu
Nos bosques procuro a seiva úmida mas os troncos estão morrendo
No chão vejo magros corpos enlaçados de onde a poesia fugiu como o perfume da flor morta.

Muito forte sou para odiar nada senão a vida
Muito fraco sou para amar nada mais do que a vida
A gratuidade está no meu coração e a nostalgia dos dias me aniquila
Porque eu nada serei como ódio e como amor se eu nada conto e nada valho.

Eu sou o Incriado de Deus, o que não teve a sua alma e semelhança
Eu sou o que surgiu da terra e a quem não coube outra dor senão a terra
Eu sou a carne louca que freme ante a adolescência impúbere e explode sobre a imagem criada
Eu sou o demônio do bem e o destinado do mal mas eu nada sou.

De nada vale ao homem a pura compreensão de todas as coisas
Se ele tem algemas que o impedem de levantar os braços para o alto
De nada valem ao homem os bons sentimentos se ele descansa nos sentimentos maus
No teu puríssimo regaço eu nunca estarei, Senhora...

Choram as árvores na espantosa noite, curvadas sobre mim, me olhando...
Eu caminhando... sobre meu corpo as árvores passando
Quem morreu se eu estou vivo, por que choram as árvores?
Dentro de mim tudo está imóvel, mas eu estou vivo, eu seu que estou vivo porque sofro.

Se alguém não devia sofrer eu não devia, mas sofro e é tudo o mesmo
Eu tenho o desvelo e a benção, mas sofro como um desesperado e nada posso
Sofro a pureza impossível, sofro o amor pequenino dos olhos de das mãos
Sofro porque a náusea dos seios gastos está amargurando a minha boca.

Não quero a esposa que eu violaria nem o filho que ergueria a mão sobre o meu rosto
Nada quero porque eu deixo traços de lágrimas por onde passo
Quisera apenas que todos me desprezassem pela minha fraqueza
Mas, pelo amor de Deus, não me deixeis nunca sozinho!

Ás vezes por um segundo a alma acorda para um grande êxtase sereno
Num sopro da suspensão e beleza passa e beija a fronte do homem parado
E então o poeta s urge e do seu peito se ouve uma voz maravilhosa
Que palpita no ar fremente e envolve todos os gritos num só grito.

Mas depois, quando o poeta foge e o homem volta como de um sonho
E sente sobre a sua boca um riso que ele desconhece
A cólera penetra em seu coração e ele renega a poesia
Que veio trazer de volta o princípio de todo o caminho percorrido.

Todos os momentos estão passando e todos os momentos estão sendo vividos
A essência das rosas invade o peito do homem e ele se apazigua no perfume
Mas se um pinheiro uiva no vento o coração do homem cerra-se de inquietude
No entanto, ele dormirá ao lado dos pinheiros uivando e das rosas recendendo.

Eu sou o Incriado de Deus, o que não pode fugir à carne e à memória
Eu sou como o velho barco longe do mar, cheio de lamentações no vazio do bojo
No meu ser todas as agitações se anulam - nada permanece para a vida
Só eu permaneço parado dentro do tempo passando, passando, passando...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

armadilha

deixei que passassem estas mulheres por mim. aprendi a sair destas armadilhas em forma de gente, atraentes, minuciosamente projetadas pelas mãos, pelas mãos de quem? quem seria tão perverso? simples acaso, tragédia. tive consumida a minha matéria e viciado o meu pensamento, eu me dei. me deixei transpassar como por balas perdidas no peito, porque foram sempre perdidas que eu as achei. uma guerra no escuro, o meu peito aberto cobrindo tudo, sorte. hoje, sequelas que duram, senão a vida inteira, pelo menos a eternidade. mas não me ponho mais em seus caminhos, senhoras. as balas já atravessaram meu peito e agora deixo que atinjam os teus alvos, construídos dentro, projetados fora, sempre em trajetória longa de rumo distante quase inalcançável; mas não mais em mim. não sigo mais tuas jornadas maravilhosas sobre a terra, o pé no chão, o coração no mundo. hoje só desvio do alvo e corro cega pra bem longe e tão rápido que só raios possam me acompanhar, onde nem o ar exista e o instante é a lei. de tudo sobrou o medo, que não é o medo das armadilhas por que sei que delas não posso escapar; assim como qualquer outro humano no mundo. mas um medo de me deparar com mecanismos que não conheço, com nomes que eu não saiba ao menos pronunciar, com novíssimas máquinas letais, de onde não reste vida que seja. tudo que sei, sei porque morri. tive que matar algumas coisas em mim para entender minimamente as nossas trocas de tiros no escuro. de vocês sei que não morro por completo, a capacidade de regeneração humana é incrível, mesmo com mísera matéria. mas e quando não sobrar mais nada? de onde irei renascer? seguiremos sendo alvo e ameaça, sempre. eu e vocês, todos. onde estou agora é seguro, mas sei que em breve esta morada não mais me abrigará. haverá novas e mais dissimuladas armadilhas onde, mesmo cautelosa, irei me afundar. mas de alguma forma vocês ficarão, cicatrizes condecoradas, medalhas que eu conquistei. talvez conte uma história ou duas, talvez vocês se tornem isso: histórias, histórias que os céticos simplesmente irão esnobar. mas eu, apenas eu, saberei a verdade imensa e translúcida escrita em meus olhos e mais ainda, saberei que, se cair nesta armadilha novamente, é porque quis partir para o fim, irei dançar com tuas artimanhas e rir das minhas feridas. serei feliz, sentindo dor e não sobrará mais nada de mim; o amor só será possível no último instante.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

viva, muito viva

ueria dizer tanta coisa, eu sempre quero dizer muitas coisas mas sempre acho também que não vale a pena. falar sozinha não é muito a minha. mas é que ando numa de vida pra cima que nem me reconheço, logo eu que adoro me arrasar e em barra pesada, várias barras pesadas, jurando que não acreditava em mais nada mas nisso tinha razão e era esse o pulo, não acreditar em nada e duvidar de tudo. começou na terça com aquele papo no engarrafamento, sinal fechado, nós na transversal do tempo, você sabe... mas, como assim que eu ando largada por aí, que eu não gosto mais de mim e não sou mais a mesma? é o cacete! passa esse sorriso pra cá que agora ele é meu! esquece os dois dedos de raiz do meu cabelo, é só assim que fica bom, save debbie! agradeço muito pela sopinha com torradas pela noite e também por ter acordado hoje com afagos no rosto e um "não vai pro estágio, elô?". eu: "ahaheghaefgnãããããoooaaahhummmmrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr". coisinhas pequenas me alimentam, um papelzinho vale, vale pecadinho, um calorzinho nas costas, uma balinha, qualquer coisa tá valendo e fazendo acontecer. pedrinhas no sapato existem, mas me livro até o fim do ano, são umas duas ou três, quem sabe quatro, mas não passa disso e não dá cria que eu não deixo; graças a um tal doido aí que disse, aliás ele nem disse, ele já foi destruindo tudo por que ele sabe, tem que se destruir tudo pra se construir algo melhor. então, vamos quebrar as paredes, deixa chover, deixa ventar, deixa trovejar. quando não houver mais pedra sobre pedra, iremos brotar lindos da terra, espalhar por aí armadilhas, cautelosos, porque o amor, você sabe, sempre espreita sorrateiro... não vamos acordá-lo, não agora que os barcos já partiram daqui, levaram todo aquele entulho lá pras europas, aquela terra escrota.
a culpada? eu que não fui! mas se quer saber, acho que toda aquela merda deu em coisas lindas, destruição taí pra isso, pra fazer nascer denovo e denovo e denovo e até o fim do mundo, das entranhas de gente como a gente, porque só a gente suporta a loucura. culpada foi a gal, mas ela é deus, a gente não questiona.
minha relação com a bebida virou problema, mesmo. minha meta é não beber esse final de semana, sem traçantes cortando o céu acima de nós, nem balas perdidas, só meteoros nos quais viajaremos para, para, para longe, sempre para longe e nem precisamos andar muito.
já disse, amor não é tudo. dedos apontados desviem de mim! espero voltar, assim, daqui a mil anos e depois de tantas coisas que só uma madrugada de mil horas daria conta para colocar as supernovas em dia! até hoje não acredito naquela ligação no meio da madrugada, que não deu certo porque gal protege os bêbados, ela até me levou pra casa nesse dia, cantando baby pra mim dentro do ônibus. ai, essas combinações inconvenientes, um dia essa química toda me mata, ou me fortalece, vai saber.
duvido de tudo mas tô viva, muito viva e sei.