sexta-feira, 23 de outubro de 2009
armadilha
deixei que passassem estas mulheres por mim. aprendi a sair destas armadilhas em forma de gente, atraentes, minuciosamente projetadas pelas mãos, pelas mãos de quem? quem seria tão perverso? simples acaso, tragédia. tive consumida a minha matéria e viciado o meu pensamento, eu me dei. me deixei transpassar como por balas perdidas no peito, porque foram sempre perdidas que eu as achei. uma guerra no escuro, o meu peito aberto cobrindo tudo, sorte. hoje, sequelas que duram, senão a vida inteira, pelo menos a eternidade. mas não me ponho mais em seus caminhos, senhoras. as balas já atravessaram meu peito e agora deixo que atinjam os teus alvos, construídos dentro, projetados fora, sempre em trajetória longa de rumo distante quase inalcançável; mas não mais em mim. não sigo mais tuas jornadas maravilhosas sobre a terra, o pé no chão, o coração no mundo. hoje só desvio do alvo e corro cega pra bem longe e tão rápido que só raios possam me acompanhar, onde nem o ar exista e o instante é a lei. de tudo sobrou o medo, que não é o medo das armadilhas por que sei que delas não posso escapar; assim como qualquer outro humano no mundo. mas um medo de me deparar com mecanismos que não conheço, com nomes que eu não saiba ao menos pronunciar, com novíssimas máquinas letais, de onde não reste vida que seja. tudo que sei, sei porque morri. tive que matar algumas coisas em mim para entender minimamente as nossas trocas de tiros no escuro. de vocês sei que não morro por completo, a capacidade de regeneração humana é incrível, mesmo com mísera matéria. mas e quando não sobrar mais nada? de onde irei renascer? seguiremos sendo alvo e ameaça, sempre. eu e vocês, todos. onde estou agora é seguro, mas sei que em breve esta morada não mais me abrigará. haverá novas e mais dissimuladas armadilhas onde, mesmo cautelosa, irei me afundar. mas de alguma forma vocês ficarão, cicatrizes condecoradas, medalhas que eu conquistei. talvez conte uma história ou duas, talvez vocês se tornem isso: histórias, histórias que os céticos simplesmente irão esnobar. mas eu, apenas eu, saberei a verdade imensa e translúcida escrita em meus olhos e mais ainda, saberei que, se cair nesta armadilha novamente, é porque quis partir para o fim, irei dançar com tuas artimanhas e rir das minhas feridas. serei feliz, sentindo dor e não sobrará mais nada de mim; o amor só será possível no último instante.
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