quinta-feira, 12 de março de 2009
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Quinze minutos, talvez vinte, até que se levantasse na madrugada para continuar a pensar no que era o amor, e o alimentar seu ódio pelo homem, e perder a linha das órbitas planetárias, e blá, blá, blá. Se distraiu vendo a TV, ainda bebeu um pouco do vinho seco - uma safra barata de merlot argentino, uma bosta, os pais dela diriam, mas lhe caía bem - deixado na geladeira desde a última noitada dos dois dentro daquela casa. O que pode ser pior do que eu, sozinha, bebendo vinho neste apartamento? Não se entregava. Mas estava lá, mesmo com as nove miligramas correndo pelas veias, o sono não vinha, a cabeça sendo parafusada de idéias sem sentido. Não devia ser ele a fazer isso, e sim eu. Quando nossos amigos souberem, vão pensar logicamente que fui eu quem terminei. Ele sempre foi um idiota. O homem, de fato, não era muito interessante e todo mundo sabia que aquele jeito puritano dele nunca combinaria com as porralouquices dela. Os amigos olhavam torto, cochichavam pelos cantos com ela: "o que é isso? que cara é esse?". Mas se deram bem, quer dizer, ela achava os trejeitos dele engraçados e ele, fascinado com as pirações dela. Ele ainda não sabia que se tratavam de máscaras. E ela não sabia que aqueles trejeitos eram chatice mesmo. Se sentia confortável pois havia cigarros para fumar até perder o ar. E precisava, quem sabe, disso mesmo. Tirar aquelas máscaras, se ver humana. Não, ainda não. Gastou o resto da noite amontoando as coisas dele num canto do apartamento, perto da porta, obviamente. E o vinho, àquela hora já lhe caía perfeitamente junto com aquelas nove miligramas. O dia amanhecendo, e ela se escondendo, jogando lençóis pelas janelas, não aceitando que era outro dia. Os pássaros! Porque cantam de manhã? Nada lhe irritava mais do que pássaros cantando pela manhã, lhe dizendo que não passava de uma inútil, infeliz, um bicho noturno; e que eles, os pássaros, são felizes pela manhã. Não, o quarto uma penumbra, o silêncio do cômodo fechado, a cabeça inebriada, a cama já desfeita. Dormiu.
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