quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

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- Putaria! - Ela disse mais alto do que pudera controlar. Depois olhou pro lado pra ver se alguém no restaurante havia escutado, mas voltou denovo o rosto pra baixo achando que nada mais importava e que se alguém mais que o garçon havia ouvido, era porque merecia. Como assim, esquecer tudo agora? Que papo mais nonsense é esse? Alguém havia perdido as rédeas dessa relação. Mas não, ela demorou pra entender que nunca tivera havido rédeas. Sempre correu por si só. Pensou ainda em pegar o telefone, ligar, tentar ao menos entender o porquê daquilo tudo. Mas não, não se pode agir assim, repetia pra si mesma. Não posso ser assim, não pode ser assim. Como poderia ela, uma mulher de meia idade já - porque esperava morrer aos quarenta do cigarro - agir daquela maneira? Seus vinte e tantos anos não haviam significado nada naquela hora, o relacionamento com aquele homem sempre a reduzira a uma criança, uma menina, e agora que aquele homem estava indo embora pensava que as coisas não podiam ser daquela maneira. Seu humor não poderia estar tão suscetível ao bel-prazer dos outros, e pior, daquele homem que sempre tivera problemas psicológicos gravíssimos. E era de câncer! De certo que as constantes mudanças de humor ocasionadas pela presença ou não do homem já a tinham prejudicado um pouco o juízo. Já lhe haviam comprometido os pulmões, sem dúvida. E o coração; bom, bastava esperar. Agora já mais calma e disposta a pensar, olhou o refrigerante na mesa e mexeu no canudo para tentar resolver o que faria. Mas tudo parecia tão complicado, as mensagens, hieróglifos do fim do mundo numa língua que apenas uma pessoa falou há mais de sete mil anos atrás. Impossível transpor aquela barreira de tramas emaranhadas que se colocava cada vez mais em volta de si mesma; e pensava se não era ela mesma a culpada, se ela própria não seria capaz de desfazer os nós e fazer tudo voltar ao normal novamente. Normal, assim bem normal. Não demorou muito e começou a desconfiar da existência de uma terceira personagem nessa história. Não, esquece isso, é besteira. Passava a mão nos cabelos pra dar um tempo nos pensamentos, começava a perder a clareza. Bebeu o refrigerante para recobrá-la. Então, é isso. Acabou, está acabado! Não se tem mais muito o que se fazer... Com o amor. O que faria agora com o amor? Pensou. Pagou a conta que o homem havia deixado - não, ela não se importava - um café, uma coca, pão-de-queijo e uma torta de nozes. Foi andando pra casa naquele dia. O que faria com o amor? O que eu faço com o amor, agora?

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